agosto 14, 2008

À JANELA DO FADO (Livro)

(continuação)

O Concurso de Fado


A Organização


Todas as quatro concorrentes nossas conhecidas, tinham prestado provas na sala 2, onde o Eduardo Jorge e o Alexandre Santos tocavam, pois por coincidência, as quatro tinham nomes começados por “L”: Lígia Coutinho; Leonor Cruz; Lucinda Cardoso e Lara Couto.
Assim não foi difícil aos “padrinhos” de cada uma, saber subtilmente, o parecer dos tocadores quanto a sua eleição para o concurso, uma vez que mantinham boas relações de amizade com todos os instrumentistas.
As opiniões divergiam quanto à mais fadista das quatro, mas numa coisa era unânimes, todas elas cantavam bem, embora cada um no seu estilo e só isso (que não era pouco) iria fazer a diferença na classificação geral.
Claro que tanto o Maciel como o Martinho e mesmo o Márcio e o Marcelo, cada um a seu modo, iam tentar influenciar o júri, porque nestas coisas é sempre assim, é muito difícil não tomar partido ou ser totalmente isento, ainda para mais todos eles, de uma maneira ou de outra, tinham razões do coração que são aquelas que na maior parte das vezes, não nos deixa ser racionais.
Faziam-se algumas conjecturas quanto às classificações e mesmo entre os tocadores, havia apostas para as quatro melhores. Claro que tudo estava nas mãos do júri, mas...
Quem era o júri? Precisamente quase todos, os intervenientes nesta história:

Maciel Castro: Júri de Letra
(mantinha uma relação séria com a Lígia Coutinho)
Martinho Conde: Júri da presença
(muito, muito amigo da mãe de Lorena Cruz)
Márcio Cunha: Júri do estilo
(amigo do marido de Lucinda Cardoso)
Marques Costa: Júri da voz
(muito amigo de Márcio Cunha e do casal Cardoso)
Sérgio Marques: Júri da dicção
(talvez o mais isento de todos)
Marcelo Couto: presidente do júri, sem direito a voto, só intervindo em caso de empate.
(O Tio apaixonado por Lara)

Então, para que nenhum concorrente tivesse humilhação do zero, a organização arranjou um método de atribuição de pontos. Assim, cada um dos cinco membros do júri só podia atribuir os números: 2 – 4 – 6 – 8 ou 10 pontos, ou seja, o máximo nunca excediam os 50 (5 X 10) e o mínimo nunca era menos que 10 (5 X 2).

Na última reunião de direcção, em vésperas do dia do concurso, a organização apresentou todo o alinhamento geral do evento. Todos tomaram conhecimento, desde os tocadores até àqueles que nos bastidores iam ajudar no evento, passando pelos membros do júri, cenografia, sonoplastia, etc.
Nada podia ser esquecido, para que tudo corresse dentro do que estava programado ao mais ínfimo pormenor. Foi nomeado um representante para imprensa, que ficou de contactar as rádios locais e jornais, para a cobertura total do evento. Havia no entanto, duas emissoras de TV interessadas em filmarem o acontecimento, para depois transmitirem em diferido. Tratava-se da Messo, canal de música francês e a TV Galiza canal da rede espanhola. Claro que, como sempre, nenhuma portuguesa… Não existia ainda, o Porto Canal...
Na sexta-feira anterior ao concurso, eram 14h00 quando começou o ensaio geral. Cada um dos 20 concorrentes eleitos e por ordem alfabética, se apresentaram perante os tocadores para tirarem o tom correcto do fado que iam levar a concurso.
Davam uma passagem ao fado, elucidavam os instrumentistas das pausas ou modo como gostavam de estilar a sua interpretação. Os tocadores foram registando o tom e a ordem de cada um, para que nada fosse esquecido na tão esperada noite.
Na sala 2, onde as nossas fadistas conhecidas ensaiavam, ouviu-se a voz da Lara na suave melodia dos “Três Bairros”. Depois a Lígia no lindo fado “Carlos da Maia”. Seguiu-se a Leonor no fado “Licas” e por fim a Lucinda no “Carriche”. Todas cantaram como tal entrega, que quem pensava poder alinhavar aqui um veredicto se enganou.
Definitivamente a solução ia ficar para a grande noite. Só o estilo ou mesmo as letras, que o regulamento exigia serem inéditas, iriam ser o factor desempate neste processo.


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Este pormenor dos estatutos, em obrigarem os concorrentes a cantar letras inéditas, era revelador da inovação que o Clube do Fado do Porto queria dar a este género de certame.
Ninguém aprendia os fados pelas gravações e cada um poderia estilizar á sua própria maneira. Não havia cópias de ninguém. Então se a intenção era revelar novos valores para o fado, para quê acontecer como noutros concursos, onde por exemplo metade dos concorrentes masculinos cantaram e tentam imitar Fernando Maurício (na época chegou-se a chamar a este fenómeno: Mauricite aguda). Onde outra tanta percentagem de concorrentes femininos, levaram fados de Amália com a intenção de imitá-la! Sem descortesia para ambos os fadistas, que foram o expoente máximo do fado. Mas não será maior o valor, se cada um interpretar um fado inédito, que defenderá com garra e mais alma porque é seu? Tentando mostrar com a letra o que sente na música tradicional que escolher e com a voz que Deus lhe deu?



Ainda a Lígia e o Maciel


Era noite de Sexta-feira. No dia seguinte era o grande dia e o Maciel não queria que ela cantasse até lá, era preciso preservar a voz.
O ensaio geral tinha corrido bem, o tom estava tirado, a letra decorada. Havia esperança de um bom lugar no concurso.
O Maciel fez--lhe a surpresa, de lhe dar os sapatos de salto alto, que ela tinha visto numa montra em Sá da Bandeira.
Foram jantar ao restaurante D.Tonho à Ribeira, ela estava radiante e ele não tirava os olhos daquele rosto, que dia a dia se acostumou a ver e amar cada vez mais. Beijando-lhe as mãos Maciel disse-lhe:
— Sabes que te amo cada vez mais?
— Sei meu tonto, eu também te adoro e não quero outra coisa que não seja viver a teu lado. Depois do concurso vamos pensar a sério nisso, estou farta de dormir só.
— Se não fosses tão teimosa, com o preconceito de não quereres ir viver lá para casa, já podíamos ter resolvido isso.
— Não, para tua casa não, sabes que não posso deixar a minha mãe sozinha, depois a minha casa tem três quartos ou esqueceste que ainda quero ser mãe? Sem contar que ficas mais perto para o teu emprego. Mas ainda há outra coisa, não gosto nada do lugar onde moras, ao menos no bairro do Ameal há zonas verdes, é mais airoso e tem parque infantil…
— Estás mesmo na disposição de ter um filho, não pensas noutra coisa? Já viste da maneira que a vida está, cada vez se torna mais difícil trazer ao mundo uma criança?
— A minha avó dizia:

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