agosto 03, 2008

À JANELA DO FADO (Livro)

(continuação)

Por coincidência, noutro café bem longe dali, o marido de Lara jogava bilhar com os amigos, enquanto ela já deitada, recebeu uma mensagem pelo telemóvel. “Boa noite meu amor, dorme bem”.

----------------- * -----------------

Marcelo Couto como já entenderam, é tio de Lara, porque é irmão da mãe desta. Nutre por ela uma atracção louca, desde o tempo em que sua irmã e cunhado faleceram num desastre e ela foi viver lá para casa, tinha a Lara na altura vinte anos. Foi ele e sua mulher que a acolheram, ali foi tratada como mais uma filha, ali refez o seu enxoval e dali casou.
Tantas vezes a desejou, mas o receio era tão grande que quase nunca se atreveu, digo quase, porque a aproximação mútua cresceu pouco a pouco, ao ponto de o casamento ser um alívio para ambos e uma esperança que fora daquela casa, tudo seria facilitado.
Marcelo profissionalmente faz o que gosta, é funcionário da nova biblioteca municipal e assim está mais próximo dos “seus amores”, os livros que devora. Chega a ler ao mesmo tempo três de géneros diferentes. No momento tem à cabeceira “Ensaio sobre a cegueira” de Saramago, na mesinha junto ao sofá da sala, anda a reler “O Mundo dos outros” de José Gomes Ferreira e a caminho do emprego nos transportes públicos, leva ainda um livro de bolso, no momento lê “A Mitologia fadista” de António Osório.
Como funcionário público, mantêm uma vida instável com a ajuda da Lúcia com quem está casado há trinta anos. A filha de ambos a Leonilde é mais nova que a Lara, anda a estagiar num gabinete de arquitectura.
Os seus tempos livres são passados além da leitura, na Internet, no cinema e no fado. Adquiriu tantos conhecimentos neste campo, que é um dos convidados (como sabem), para fazer parte do júri do próximo concurso de fado, ao lado do declamador Sérgio Marques e dos entendidos, Marques Costa e Márcio Cunha.


Quanto a Lara, pelo que leram acima, já conhecem a sua vida de mulher (mal) casada, com um filho que adora perdidamente.
O Matias está com seis anos e é uma criança maravilhosa, meiga com a mãe, como se compreendesse a sua disfarçada desventura.
Mantém uma relação de aparente felicidade com o Mendes, não que ele não goste dela, mas não é o seu homem de sonho. Procura manter uma boa relação como esposa dedicada e prestativa, principalmente, para que ele nunca desconfie dos seus pensamentos secretos.
A Lara está desempregada, depois da fábrica de confecções onde trabalhou durante dez anos ter falido. Vive o seu dia-a-dia entre a lida de casa e o serviço voluntário que presta num centro de dia, onde trata dos idosos com o maior carinho, porque todos lhe parecem os pais que perdeu tão estupidamente.
A Lara com o seu dinamismo, promove eventos de grande êxito como é o caso do baile para idosos que organizou, onde mais de centena e meia de utentes do centro de dia daquela associação, aproveitaram a ocasião para exercitar os dotes de bailarinos e conviver, passando uma tarde agradável. Lara é querida por todos eles, pela sua paciência e educação.
O maior tormento que lhe assola o espírito, é sem dúvida a sua paixão secreta pelo tio que sempre admirou, como homem, pelo seu charme e cultura fora do vulgar. Não lhe esconde, que daria tudo por uma noite nos seus braços, entretanto vai sonhando e guardando esse desejo como um tesouro muito secreto.
Ninguém pode entender quando canta, as letras que escolhe meticulosamente, sempre com a intenção de lhe mostrar o seu amor sem que mais alguém perceba a sua intenção.
Esta ilusão que se arrasta há tanto tempo, faz parte das suas orações quando pede a Deus que lhe perdoe os seus pensamento. Sempre que entra na igreja do Bonfim e se ajoelha aos pés do altar de Santa Clara, a Lara pede à santa (que quase tem o seu nome), que a ajude a ver melhor o caminho e a ilumine nos percalços da vida.

Pág.12 (continua)

Nenhum comentário: